Sony Music celebra centenário da primeira transmissão radiofônica no Brasil e lança 100 álbuns dos ‘cantores do rádio’ pela primeira vez em streaming
Há 100 anos, no dia 7 de setembro de 1922, ocorreu a primeira transmissão radiofônica oficial do Brasil. Em meio às comemorações do centenário da independência do país, foi montada uma ‘exposição internacional’, com pavilhões de vários países, e no dos Estados Unidos foi transmitido por alto-falantes um discurso meio difuso do então presidente Epitácio Pessoa, que poucos entenderam devido ao burburinho do evento, e fora dali, o mesmo também foi ouvido precariamente em Niterói e Petrópolis, no estado do Rio, e na cidade de São Paulo. O que se deu a partir daí foi um desenvolvimento gradual de nosso primeiro grande veículo de comunicação de massa. É justamente esta efeméride que o marketing estratégico da Sony Music Brasil homenageia agora na série “Vozes do Rádio”.
Dando prosseguimento ao projeto de digitalização de seu catálogo, incluindo a restauração de tapes analógicos e projetos gráficos originais, lança, nas cinco sextas-feiras do mês de setembro – 02/09, 09/09, 16/09, 23/09 e 30/09 –, 100 produtos de alguns artistas imortais de nosso cancioneiro, que entraram para a história como “cantores do rádio”, em todas as plataformas digitais de streaming (Spotify, Deezer, Apple Music, Amazon Music, Resso, YouTube). São eles (pela ordem de chegada no veículo): Vicente Celestino, Silvio Caldas, Cyro Monteiro, Carmen Costa, Emilinha Borba, Jorge Veiga, Ivon Curi, Nora Ney, Marinês e sua Gente e de duas cantoras que, felizmente, ainda estão entre nós para receber em vida a homenagem, Ellen de Lima e Lana Bittencourt.
Inicialmente, nossas primeiras emissoras tinham, no geral, finalidade educativa, e sobreviveram graças às contribuições de sócios idealistas. Porém, uma década depois, a partir de 1932, tudo mudou. Foi quando Getúlio Vargas instituiu o rádio comercial, ou seja, a possibilidade do mesmo ter anunciantes. A partir de então, o veículo pôde contratar seus elencos, inclusive musicais, contando com uma ótima coincidência: o fato de nesta década aparecer uma extraordinária geração de intérpretes, compositores, letristas, arranjadores e instrumentistas, conferindo à nossa música uma cara própria. Era a chamada Era de Ouro, que foi até 1945.
Trajetórias
Nesse tempo, Vicente Celestino (1894-1968), nosso primeiro cantor realmente popular em âmbito nacional, que vinha dos anos 1910, conhecido como “A Voz Orgulho do Brasil”, obteve grande popularidade, com canções como “Patativa”, “Ouvindo-te”, “Rasguei teu retrato”, “Coração materno” e “O ébrio”, todas lançadas na década de 1930 – as duas últimas, virando filmes protagonizados por ele e dirigidos por sua esposa, a cineasta e cantora Gilda de Abreu, nos anos 40, época também de novos sucessos dele, como “Porta aberta” e “Mia Gioconda”. Vicente era tenor. Seu estilo operístico era bastante empostado, à moda dos intérpretes do início do século passado. Alheios a novos modismos musicais, seus fãs lhe foram fiéis até o fim, visto que foi um dos artistas mais longevos e populares de nossa história, gravando sem parar de 1915 a 1968 – razão de ser o mais contemplado nesta reedição com 36 produtos, entre 78 rpm, compactos e LPs, incluindo um sem número de raridades há décadas fora de catálogo.
Se Vicente já era um veterano quando se consagrou ainda mais pelas ondas do rádio, a década de 1930 trouxe artistas cujo veículo foi fundamental para a difusão de suas carreiras. É o caso de Silvio Caldas (1908-1998), outro de trajetória longeva – atuou de 1930 a 1998. Com uma voz envolvente e interpretação sincera, avassaladora, o “Caboclinho Querido” além de grande sambista, sacralizou a figura do seresteiro urbano, de violão em punho, cantando suas valsas e canções que entraram para a história, como “Chão de estrelas” e “Quase que eu disse”, ambas em parceria com o poeta e jornalista Orestes Barbosa, esta última presente no álbum Grandes Sucessos com Silvio Caldas, que apesar do título, não se trata de uma coletânea, mas um disco original do cantor. Nesta reedição, ele também aparece cantando sucessos de seus colegas já dos anos 1950, como “Chove lá fora”, “Risque” e “Canção da volta”, em Cabelos brancos (1958), e de seus contemporâneos, como “Rosa”, “Pierrot” e “Noite cheia de estrelas”, em Canta o seresteiro (1971).
No fim dos anos 1930, o público tomou conhecimento pelas ondas do rádio de mais dois grandes sambistas. Para começar, Cyro Monteiro (1913-1973), que teve a primazia de lançar alguns dos maiores clássicos do samba de todos os tempos, como “Se acaso você chegasse”, “Falsa baiana”, “Rugas”, “Oh! Seu Oscar”, “Bonde São Januário”, “Pisei num despacho”, “Beija-me” e “Boogie-woogie na favela” – todos agora disponíveis em streaming, bem como um raro LP do cantor, já de 1961, Sr. Samba, de temas menos conhecidos, mas igualmente interessantes. Já Carmen Costa (1920-2007), foi nossa primeira cantora negra importante da Era do Rádio. Inicialmente formou dupla com Henricão, mas sua consagração solo viria nos anos 1950. Na coletânea da série Acervo Especial (1994), temos hits de ambas as fases, de meio de ano (os sambas-canção “Eu sou a outra”, “Quase”, “Só vendo que beleza (Marambaia)”) e de carnaval (“Marcha do Cordão do Bola Preta”, “Está chegando a hora”), além de sua interpretação para canções célebres como “A flor e o espinho”, da lavra de Nelson Cavaquinho, e “Depois de tanto amor”, de Paulinho da Viola.
A década de 1940 consagrou o “Caricaturista do Samba” Jorge Veiga (1910-1979), que além de levar adiante a tradição do samba-de-breque, iniciada por Moreira da Silva, foi um exímio intérprete carnavalesco, como atesta o samba “Bigorrilho”, que explodiu na folia de 64, lançado em compacto e também incluído no LP Samba e ginga (1963), juntamente com o hilariante samba “Ai, meu calo”. Na mesma década, registrou o LP Jorge Veiga (1962), com temas gaiatos, bem a seu estilo, como “Caixa alta em Paris”, “Calouro teimoso”, “O marido da vedete”, além de “Na cadência do samba”, de Ataulfo Alves e Paulo Gesta, o grande sucesso daquele ano, regravado à exaustão por diversos intérpretes: “Quero morrer / Numa batucada de bamba / Na cadência bonita do samba”.
Foi também nos anos 1940 que se consagrou a “Favorita da Marinha” Emilinha Borba (1923-2005), a cantora mais popular do país até pelo menos meados da década seguinte, época da segunda grande fase do rádio, de 1946 a 58, era áurea dos auditórios – dos quais era a estrela máxima, atuando no Programa César de Alencar, durante as tardes de sábado, veiculado justamente pela emissora que ajudou o veículo se tornar uma potência ainda maior no país, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, primeira a ser ouvida em todo o território nacional. Cinco anos após sagrar-se Rainha do Rádio, em 58, foi contratada pela antiga Columbia obtendo êxito com “Cachito”, “Patricia”, “Juntinhos é melhor”, “Benzinho”, “História de minha vida”, “A menina da areia” e “Amor de minha vida”, além de regravar seu velho hit, o bolero “Dez anos (Diez años)”. Tais faixas estão presentes em duas boas coletâneas da artista, Os grandes sucessos de Emilinha Borba (1975) e Sempre Emilinha (1984).
Há ainda seis faixas raras de compactos e a curiosa compilação da série Frente a frente (1995), que traz um de seus maiores hits de carnaval, “Marcha do remador” (“Se a canoa não virar, olê, olê, olá / Eu chego lá”, na folia de 64, e outros de sua contemporânea, a “Divina” Elizeth Cardoso (1920-1990), que divide com ela a compilação, pescados de seus dois últimos (e ótimos) álbuns Todo o sentimento e Ary amoroso, gravados em 1989.
Por fim, os anos 1950 trouxeram novos artistas das mais variadas tendências, fechando com chave de ouro a Era do Rádio. Em 1952, apareceu Nora Ney (1922-2003) com uma nova maneira de usar a voz, um canto falado, sem o veio operístico e o vibrato característicos do bel canto, que predominava entre as intérpretes românticas, aproveitando para carimbar um dos dois estilos brasileiros mais populares dessa fase, o samba-canção. Gravando na antiga RCA Victor, entre 1958 e 60, esta série traz três raros discos de 78 rpm, um compacto extemporâneo de 1973 da cantora (com “Regra três” e “Conselho”), duas ótimas coletâneas das séries Grandes Intérpretes (1973) e Acervo Especial (1994) e dois LPs originais. Em Nora Ney (1958), lançava duas pérolas de Dolores Duran, “Solidão” e “Castigo”, e outra de Maysa (“O quê”), além do carnavalesco “Vai, mas vai mesmo” (Ataulfo Alves). No seguinte, no LP Ninguém me ama (1960), regravava seus hits iniciais no “Lado A”, como a faixa-título e mais “Felicidade”, “Preconceito”, “Bar da noite”, “De cigarro em cigarro” e “Menino grande”, trazendo do outro lado novidades como o sambalanço “Telecoteco nº2” (Nelsinho/Oldemar Magalhães) e uma pérola desconhecida de Luiz Bonfá e Antonio Maria, “Imenso amor”.
Cantor de emissão cool, próximo da futura bossa nova, Ivon Curi (1928-1995) foi revelado em 1948 e, a partir de 53, na RCA Victor, viva seu período áureo como lançador de sucessos. Seu estilo, porém, na maioria das faixas era oposto ao da bossa, bastante irreverente e histriônico, um verdadeiro “Ator da Canção”, como era chamado, na linha dos chansonieurs franceses, nos quais se inspirou. Além dos que já estavam no streaming, Ivon tem agora lançados cinco discos de 78 rpm bem raros, incluindo sua versão para “Patricia”, de Perez Prado, e do sambalanço “Palhaçada”, à época hits, respectivamente, de Emilinha Borba e Doris Monteiro; uma excelente coletânea da série Aplauso (1995), com êxitos eternos, como “Retrato de Maria”, e mais seis de seus LPs originais: Música para todos os corações (1956), que reúne faixas importantes gravadas em 78 rpm, como com a valsa “João bobo”, a toada “Menino de Braçanã” e “O xote das meninas”; Ivon Curi vive canções para você (1956), com o xote “Casamento aprissiguido”; Tournée musical (1957), com o hilário fox “Oh!”; Eu canto assim (1958), com o xote “A cara do pai”; Meus melhores momentos (1958), este só com composições autorais, como o samba-canção “Obrigado” e “Falam tanto de mim”, e Para ouvir sorrindo (1959), com “Forró do beliscão”.
Mesmo com seu registro suave, Ivon foi impelido a gravar muitas músicas nordestinas, pois o baião e ritmos congêneres foram, juntamente com o samba-canção, os mais populares da segunda Era do Rádio. Sua intérprete nordestina mais expressiva nessa época foi Marinês (1935-2007), batizada ainda nos anos 50 por Luiz Gonzaga como a “Rainha do Xaxado”. O sufixo “e sua gente” foi uma ideia do comunicador Chacrinha e significava “todo mundo que gostava de seu som”. Uma das maiores contribuições desta série “Vozes do Rádio” é justamente trazer de volta nada mais, nada menos que nove álbuns originais da cantora de voz forte, segura e aguda, que cantou bem até sua morte inesperada, aos 71 anos. São eles: Marinês e sua gente (1960), Maria Coisa (1965), Na peneira do amor (1971), Canção da fé (1972), Só pra machucar (1973), A dama do Nordeste (1974), A volta da cangaceira (1975), Nordeste valente (1976) e Balaiando (1977). Mesmo mais circunscrito ao mercado nordestino, seu repertório é essencial para entender a força feminina na música de sua região. Não é por acaso que foi matriz do canto de sua bem-sucedida seguidora em estética e repertório, Elba Ramalho.
Fechando o pacote, temos álbuns de duas cantoras dessa época ainda em atividade e que podem ser felizmente homenageadas em vida. A primeira delas é a baiana Ellen de Lima. A eclética cantora de 84 anos, que ficou conhecida pela pitoresca “Canção das misses”, gravou poucos discos, tendo agora três deles lançados em streaming: o LP homônimo de 1960 registrado na RCA Victor, destacando “Leva-me contigo”, de Dolores Duran, e os compactos duplos Só pode ser com você (1962) e Ao nascer do sol (1963), este com uma versão do hit internacional “Cuando calienta el sol”. Finalmente, Lana Bittencourt, hoje com 90 anos, foi uma das cantoras de maior extensão vocal e das mais versáteis da Era do Rádio, cantando em vários idiomas, ganhando de César de Alencar o epíteto de “A internacional”. Seu período áureo de atuação em rádio, cinema e TV foi de 1955 a 1968. Gravou desde ótimos sambas-canção, como “Se alguém telefonar”, “Conselho”, “Haja o que houver” e “Prece” até o melhor do cancioneiro latino e norte-americano.
Lana tem seis discos de 78 rpm (12 faixas no total) raríssimas e sete LPs muito bons reeditados agora em digital, sendo dois homônimos de dez polegadas (com oito faixas cada), de 1956 e 67, e mais cinco do tamanho padrão de 12 polegadas, a começar pelo clássico Lana em Musicalscope (1958), que trouxe o calypso “Little darlin’”, que foi o disco mais vendido da Columbia em 57, quando foi lançado em single, a ponto do presidente da matriz norte-americana, Nat Shapiro, ter vindo ao Brasil para conhecê-la. Seguiram-se Intimamente (1958), só com canções nacionais; Sambas do Rio (1961), com sambas de Luiz Antonio e do ainda iniciante Tom Jobim; Exaltação ao samba (1962), trazendo somente temas que falavam da Bahia, e O sucesso é Lana Bittencourt (1963), com canções daqui e de fora, como “Chariot (I will follow him)”, composição gospel que anos depois seria novamente sucesso no filme Mudança de hábito, com Whoopi Goldberg. Completa a coleção um compacto de 1979 gravado em dueto com o cantor mineiro Raimundo José, atualmente com 78 anos, trazendo a guarânia “Que será de ti (Qué será de tí)” e o samba-canção “Exemplo”, de Lupicínio Rodrigues. Muito me orgulho de ter sugerido à Sony Music esta série tão importante à memória musical do país e de ver o empenho de seu grupo de trabalho para que esta se realizasse a tempo de celebrar o centenário do rádio no Brasil.
Com informações e fotos da assessoria