Participação brasileira destaca a produção e a resistência dos povos originários na 60° Exposição Internacional de Arte — La Biennale di Venezia
O Pavilhão Hãhãwpuá – como é referido o Pavilhão do Brasil nesta edição da Biennale – marca sua presença na 60ª Bienal de Veneza com a exposição intitulada ‘Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam’, com curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana.
O título Ka’a Pûera faz alusão a duas interpretações interligadas. Em primeiro lugar, ele se refere a espaços de roça que, após a colheita, ficam adormecidos, surgindo um lugar com vegetação baixa, revelando potencial de ressurgimento. Além disso, a capoeira é também conhecida pelos Tupinambá como uma pequena ave que vive em florestas densas, camuflando-se no ambiente.
Nesta edição da Bienal italiana dirigida pela primeira vez por um sul-americano, o brasileiro Adriano Pedrosa, o Pavilhão Hãhãwpuá destaca-se ao apresentar os povos originários e sua produção artística, em especial a resistência dos saberes e práticas dos habitantes do litoral.
A exposição aborda questões de marginalização, desterritorialização e violação de direitos, convidando à reflexão sobre resistência e a essência compartilhada da humanidade, pássaros, memória e natureza. Glicéria Tupinambá, artista já anunciada, trabalha com a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia, para a realização de suas obras.
Compõem também o Pavilhão obras dos artistas Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó.
“A mostra reúne a Comunidade Tupinambá e artistas pertencentes a povos do litoral – os primeiros a serem transformados em estrangeiros no seu próprio Hãhãw (território ancestral) – afim de expressar uma outra perspectiva sobre o amplo território onde vivem mais de trezentos povos indígenas (Hãhãwpuá). O Pavilhão Hãhãwpuá narra uma história da resistência indígena no Brasil, a força do corpo presente nas retomadas de território e as adaptações frente às urgências climáticas”, afirmam os curadores.
Os Tupinambá eram considerados extintos até o ano de 2001, quando finalmente o Estado Brasileiro reconheceu que esse povo não só nunca havia sido exterminado, como está ativo na luta para reaver seu território e parte de sua cultura que fora retirada pela colonização.
“A exposição é realizada no ano em que um dos mantos tupinambá retorna ao Brasil depois de um longo período no exílio europeu, onde estava desde 1699 como um preso político. A vestimenta atravessa tempos e atualiza as problemáticas da colonização, enquanto os Tupinambá e outros povos continuam suas lutas anticoloniais em seus territórios – como Ka’a Pûera, pássaros que andam sobre florestas que ressurgem”, complementam os curadores.
Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, ressalta que “vivemos um momento de convergência entre o passado, o presente e o futuro para encontrarmos um caminho para modos de vida sustentáveis e a repactuação das relações humanas. As questões levantadas pelo trabalho dos curadores e artistas apontam para caminhos relevantes para o árduo processo que temos pela frente”.
As obras
Glicéria Tupinambá convoca os mantos de seu povo para formar a instalação Okará Assojaba. Okará é uma assembleia da sociedade Tupinambá cujo objetivo é criar um conselho de escuta onde se reúnem os líderes que são portadores dos mantos tupinambá: as mulheres, os pajés e os caciques. A instalação ‘Okará Assojaba’ faz referência a essa assembleia ao trazer um manto tupinambá produzido por Glicéria de modo coletivo com sua família e a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro, acompanhado por mantos/tarrafas (redes de pesca).
A instalação ainda é composta por onze cartas escritas por Glicéria, assinadas em conjunto com a Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro e enviadas aos museus que possuem mantos tupinambá e outras partes de sua cultura em seus acervos.
Com a videoinstalação ‘Equilíbrio’, Olinda Tupinambá, por sua vez, amplia a voz de Kaapora – entidade espiritual vigilante da nossa relação com o planeta e que também dá nome ao projeto de ativismo ambiental conduzido por ela na Terra Indígena Caramuru.
A obra apresenta um retrato da condição humana na Terra e uma discussão crítica da relação destrutiva da civilização com o planeta do qual depende. Cuidar desse planeta, interagindo de forma respeitosa com os outros seres vivos, é a única forma de nos tornarmos realmente civilizados.
Ziel Karapotó, por fim, confronta processos coloniais em ‘Cardume’, uma instalação que une, com uma rede de tarrafa, maracás de cabaça e réplicas de projéteis balísticos, envolvidos por uma paisagem sonora com sons de rios e torés (cantos tradicionais do povo Karapotó) que se misturam a sons de disparos de armas de fogo.
‘Cardume’ evoca a luta pelos territórios frente aos processos de genocídio que se atualizam nos últimos 523 anos, mas sobretudo reforça a resistência indígena por meio da vida: os torés afirmam a espiritualidade; a rede de pesca representa as correntezas dos rios, mares e a fartura de peixes; e, finalmente, o maracá conecta os povos indígenas à terra onde vivem.
O termo Hãhãwpuá
Nesta edição, o Pavilhão do Brasil é referido pelos curadores como Pavilhão Hãhãwpuá, simbolizando o Brasil como território indígena, com “Hãhãw” significando “terra” na língua patxohã. O nome “Hãhãwpuá” é usado pelos Pataxó para se referirem ao território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil, mas que já teve, e tem, muitos outros nomes.
Com informações e imagens da assessoria